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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

É possível ensinar alguém a ser empreendedor?


Pequenas Empresas & Grandes Negócios conversou com quatro especialistas no estudo do empreendedorismo e organizou um debate virtual sobre o assunto


A partir da esquerda, Jacques Marcovitch, Anne Dobrée, Gilberto Sarfati e Marcelo Nakagawa

É possível ensinar alguém a ser empreendedor? As respostas para essa pergunta variam bastante no mundo acadêmico. Alguns especialistas acreditam que já se nasce com as características de um empreendedor. Outros acham possível ensinar ou estimular isso na própria faculdade. Além do professor Andrew Zacharakis, do Babson College, nos Estados Unidos, Pequenas Empresas & Grandes Negócios conversou com mais quatro especialistas no estudo do empreendedorismo e organizou um debate virtual sobre o assunto. 

Perfil dos especialistas 
ANNE DOBRÉE: Chefe do Seed Funds, fundo de investimento do Grupo de Empreendedorismo da Universidade de Cambridge, na Inglaterra 

MARCELO NAKAGAWA: 
Professor e coordenador do Centro de Empreendedorismo do Insper 

GILBERTO SARFATI: Professor do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Fundação Getulio Vargas (FGV) 

JACQUES MARCOVITCH: Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP) 

>> É possível ensinar alguém a ser empreendedor? 

Dra. Anne Dobrée: algumas habilidades do empreendedor são inatas e não podem ser aprendidas. Eu acho que a disposição para assumir riscos e a persistência são características difíceis de ensinar, apesar de poderem ser apoiadas e encorajadas na sala de aula. Cursos de empreendedorismo podem complementar as habilidades naturais que os empreendedores têm. Além disso, essas aulas ajudam a fornecer a orientação, o apoio e o incentivo necessários para os empresários em potencial começarem a dar seus primeiros passos.

Professor Marcelo Nakagawa: dá para incentivar o empreendedorismo. Você ensina técnicas de gestão, por exemplo. Agora, a capacidade de empreender tem de nascer da iniciativa de cada um. Nenhum professor vai motivar o aluno a ser empreendedor; ele vai indicar os motivos que aquela pessoa tem para empreender. Quem encontra, verdadeiramente, esses motivos é o próprio aluno. Infelizmente, as disciplinas de empreendedorismo estão, principalmente, nos cursos de negócios. Nos mais técnicos, as pessoas não aprendem a ganhar dinheiro com aquilo que estão lidando. É difícil achar matéria de empreendedorismo num curso de odontologia, mas esse ensino deveria ser obrigatório para qualquer curso superior. O aluno precisa aprender a ganhar dinheiro em cima do que está fazendo. 

Professor Gilberto Sarfati: é possível ensinar a ser um empreendedor melhor e despertar o empreendedorismo como opção de carreira. Na FGV, temos tido sucesso com isso. No primeiro ano do curso de administração existe uma matéria chamada “Educação Empreendedora”. Percebemos que a maioria dos alunos entra na faculdade sem nem pensar em empreender. Mas isso muda com o tempo. O número de alunos que quer abrir um negócio próprio tem crescido dentro da faculdade e alguns deles começam a empreender ainda dentro da FGV — na empresa júnior, por exemplo. 

Professor Jacques Marcovitch: na faculdade, não se aprende intuição, uma qualidade tão essencial para os grandes cientistas quanto para os pequenos comerciantes. O que se chama de faro ou instinto é uma precondição a ser cultivada no empreendedorismo, de preferência com apoio em regras produzidas no universo do ensino formal. Aprender a empreender é possível, sim. Embora partidários mais ortodoxos da intuição costumem caricaturar o problema com uma frase bem-humorada: “A gente só aprende o que já sabe”. 

>> O que é essencial aprender antes de ser empreendedor? 

Dra. Anne Dobrée: parte do trabalho de se tornar empreendedor é ter a habilidade de aprender a dançar conforme a música, ir aprendendo as coisas conforme a necessidade. Mas, essencialmente, seria necessário um bom conhecimento técnico sobre a área, saber administrar as finanças do negócio e construir equipes. Algo também essencial para o empreendedor é saber quais as habilidades que ele não tem. 

Professor Marcelo Nakagawa: existem dois conhecimentos importantes para as pessoas que estão longe da área de negócios. O primeiro é aprender a planejar um novo negócio e o segundo é aprender a vender. Tudo isso pode ser suprido por cursos ou por um sócio mais especializado na área de administração. Um dos pontos positivos de fazer esses cursos é encontrar pessoas com os mesmos medos, receios e sonhos. São pessoas que estão no mesmo estágio de pensar um novo negócio, de querer arriscar mas ter um pouco de medo. 

Professor Gilberto Sarfati: planejamento é essencial. Todas as pesquisas indicam que as principais razões para a falência de empreendimentos é a falta de capacidade de gestão. Além disso, gestão de pessoas, gestão de caixa, vendas e marketing. O empreendedor não precisa ser um especialista nessas áreas, uma vez que, mais cedo ou mais tarde, ele poderá contratar pessoas especializadas nelas. Mas precisa ter uma boa noção para conseguir acompanhá-las — afinal, é o presidente da empresa que está fundando. Você não precisa ser o contador, porque não vai fazer o balanço da empresa. Mas precisa entender aqueles números. 

Professor Jacques Marcovitch: é essencial valorizar a cultura de resultados, a clareza das metas, a compreensão do entorno do futuro negócio e as especificidades do mercado a ser conquistado. A convivência com os potenciais consumidores é a melhor forma de apreender aspirações, anseios e expectativas. Aprender com outros que estão no ramo contribui para antecipar dificuldades a superar, e formas de otimizar o retorno sobre o investimento. Além disso, aprender a montar um plano de negócios, com etapas a vencer, será útil. Todo empreendedor deve compreender que o lucro está longe de ser a mera diferença entre receita e despesa corrente. Trata-se de gerar recursos para investir, motivar seus funcionários e pagar impostos, capital de giro e crédito bancário, por exemplo, que são variáveis básicas e cujo pré-dimensionamento é aconselhável. 

>> Quais as vantagens e desvantagens de ter se graduado na mesma área do seu negócio? É melhor ir direto para um curso de administração ou fazer uma faculdade na área em que você quer empreender? 

Dra. Anne Dobrée: a faculdade de administração pode proporcionar uma compreensão melhor de negócios em geral, além de uma rede de contatos. No entanto, em algumas áreas, especialmente naquelas relacionadas à alta tecnologia, você realmente precisa de uma base mais específica do setor. Tem de entender as complexidades do serviço que está oferecendo e também para ser levado a sério no mercado. 

Professor Marcelo Nakagawa: o ideal é justamente isso — a pessoa empreender na área em que se formou. É uma maneira inteligente de se tornar empreendedor, porque você não joga fora o que aprendeu durante anos de estudos. No fim das contas, você tem o conhecimento técnico da área, sabe quais são os clientes e como o segmento evolui. Acho que não existe uma desvantagem nesse caminho. 

Professor Gilberto Sarfati: a vantagem de ter se formado na mesma área em que o seu negócio atua é ter um ponto de vista técnico. A desvantagem é a falta de conhecimento em gestão, o que pode matar um negócio. Uma fórmula que tem dado certo é a de ter sócios especializados em áreas diferentes: um com um conhecimento mais técnico do setor (um arquiteto, por exemplo) e outro com um conhecimento maior em gestão. Se a pessoa optar por aprender a gerir um negócio, a faculdade de administração não é a mais recomendada, porque o ensino universitário vai cobrir coisas que não vão interessar a ela. Existem cursos específicos que contribuem mais para a necessidade do empreendedor e vão levar menos tempo. 

>> Como você vê a proliferação de cursos de empreendedorismo no mundo? 

Professor Gilberto Sarfati: isso é positivo porque simboliza um aumento da cultura empreendedora. Agora, o próximo passo é aumentar a especificidade desses cursos para que haja mais cursos focados nos pequenos negócios. Atualmente, os cursos de administração — como gestão de pessoas, gestão de empresas — são muito focados em grandes negócios. 

Professor Jacques Marcovitch: os cursos de empreendedorismo constituem uma condição desejável, mas não suficiente. Eles requerem, antes de tudo, uma boa estruturação de suas propostas de ensino, combinando valores, princípios e conceitos. Além disso, é preciso alinhar esse ensino com a vida prática. A meu ver, esses cursos devem conter um ciclo básico, destinado a identificar e incentivar a vocação e o verdadeiro potencial do aprendiz. Seria um bom filtro para selecionar quem quer ou não ser mesmo empreendedor. Não se lavra em terra estéril. 

Esta reportagem é um extra da matéria “Profissão: empresário”, publicada na edição impressa de Pequenas Empresas & Grandes Negócios (ed. 284 - setembro/2012) 




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